Nos cumes do desespero
“A preocupação do sistema ou da unidade nunca foi e nunca será a ambição daqueles que escrevem nos momentos de inspiração, quando o pensamento é uma expressão orgânica submissa aos caprichos dos nervos. Uma unidade perfeita, a busca de um sistema coerente são sinais de uma vida pessoal mísera, esquemática e insulsa na qual estão ausentes a contradição, o gratuito, o paradoxo. Somente as contradições essenciais e as antinomias interiores testemunham uma vida espiritual fecunda, pois só elas fornecem ao fluxo e à abundância interiores uma possibilidade de realização. Aqueles que têm apenas poucos estados espirituais e ignoram a experiência de chegar ao limite não podem se contradizer porque as suas débeis tendências não saberiam cristalizar-se em oposições. Aqueles que, ao contrário, sentem intensamente o ódio, o desespero, o caos, o nada ou o amor, que em cada experiência se consumam e se aproximam da morte; aqueles que não podem respirar senão nos cumes e que estão sempre a sós, como poderiam seguir uma evolução linear ou cristalizar-se em um sistema? Tudo aquilo que é forma, sistema, categoria, plano ou esquena procede de um déficit de conteúdoss, de uma carência de energia interior, de uma esterilidade da vida espiritual.”
Cioran – Nos cumes do desespero